Dia 11 de abril dia de Santa Gemma Galgani:
“Se todos soubessem como Jesus é belo, como é amável,
não procurariam senão o seu amor. Nosso coração
é feito para amar uma só coisa:
nosso grande Deus”.
Entre
os mais esplêndidos espetáculos da natureza estão as grandes
cachoeiras. Nelas, as volumosas águas se precipitam com uma força
avassaladora, envolvendo numa misteriosa nuvem, nimbada de irisados
lampejos, tudo ao seu redor.
Ao
contemplá-las, o espírito se extasia, e é levado a relacionar esse
espetáculo com uma realidade de índole sobrenatural: o incomensurável,
fecundo e transformante amor de Deus.
Com
efeito, provindo de uma altura infinita, a água viva e multiforme da
bondade divina desce sobre os homens com infinda abundância. Ela enche
de caridade a quem a recebe com boa disposição, trazendo como fruto o
desejo ardente de restituir em toda medida possível tal amor gratuito do
Criador.
Todos
fomos chamados a fazer de nossa existência uma desigual porfia por
retribuir a Deus os seus incontáveis benefícios. Algumas almas eleitas,
contudo, já nesta Terra experimentam um místico e transformante
intercâmbio de amor que as faz viver de algum modo como na eternidade,
por uma especial união espiritual com o Redentor.
É
o caso de Santa Gemma Galgani, cuja identificação com Cristo foi
estreita a ponto de poder ela afirmar: “Não estou mais em mim, estou com
meu Deus, toda para Ele; e Ele está todo em mim e para mim. Jesus está
comigo e é todo meu”.1
Convívio com o sobrenatural
Nascida
na cidade italiana de Lucca, em 12 de março de 1878, Gemma teve um
curto, mas intenso convívio com sua piedosa mãe. Esta contraíra uma
tuberculose de lenta e implacável evolução, o que não lhe impediu de
legar aos filhos uma formação verdadeiramente católica.
Uma
de suas derradeiras providências fora fazer com que a pequena recebesse
a plenitude da graça batismal pela Crisma, antes mesmo da Primeira
Comunhão, como era então costume na Itália. E, apesar das dificuldades
impostas pela doença, a própria senhora Galgani, auxiliada por uma
catequista, incumbiu-se de preparar a filha para receber o Sacramento.
Depois
da cerimônia, a menina permaneceu na Basílica de San Michele in Foro
para assistir a uma Missa em Ação de Graças e, estando em oração por sua
querida mãe, teve seu primeiro diálogo sobrenatural:
– Gemma, queres dar-me tua mãe? – ouviu no fundo da alma.
– Sim, mas só se eu for junto – respondeu ela.
– Não, dá-me de boa vontade tua mãe. Tu deves ficar agora com teu pai. Eu a levarei para o Céu. Mas dás com gosto?
“Tive de responder que sim”2, confessa a santa em sua autobiografia.
As graças da Primeira Comunhão
Em
setembro de 1885, a senhora Galgani entregou piedosamente sua alma a
Deus, deixando a filha instalada na casa da tia materna, Elena Landi.
Algum tempo depois, Gemma regressou para junto do pai e ingressou como
externa no colégio das Irmãs de Santa Zita, fundado pela Beata Elena
Guerra.
Aos
nove anos, revelando piedade incomum, a menina manifestava enorme
desejo de receber a Sagrada Eucaristia. Em vão suplicou durante largo
tempo ao confessor, Monsenhor Giovanni Volpi, ao pai e às mestras:
“Dai-me Jesus e vereis que serei mais sábia, não cometerei mais pecados,
não serei mais a mesma!”.
Afinal,
o sacerdote acabou por aceder e, apesar da sua pouca idade para os
costumes da época, na festa do Sagrado Coração de 1887, Jesus Hóstia
entrava pela primeira vez naquela fogosa e inocente alma: “O que se
passou naquele momento entre mim e Ele, não saberia exprimi-lo. Jesus
fez-Se sentir em minha alma de uma maneira muito forte. Compreendi,
então, que as delícias do Céu não são como as da Terra. Sentia-me tomada
pelo desejo de tornar contínua aquela união entre mim e Jesus”.3
Unir-se a Nosso Senhor, assemelhar-se a Ele, foi a partir daquele momento o único objetivo da vida de Gemma.
Esposa de Cristo Crucificado
Durante
o período transcorrido com as Irmãs de Santa Zita, a menina dedicou-se
com todo esmero às atividades escolares. Por seu bom exemplo, era a
“alma” da escola. Muito benquista pelas companheiras, estas a
respeitavam, pois, apesar de pouco expansiva, tinha o dom da palavra
concisa e do agir resoluto.
Enquanto
isso, o Divino Mestre a cumulava de graças interiores, fazendo- a
progredir cada vez mais nas vias da perfeição. A vida da jovem Gemma
transcorria envolta em frequentes fenômenos místicos, e isso
transparecia de algum modo em seu olhar.
Certo
dia, estando já com dezessete anos, nossa santa recebeu de presente um
rico relógio e uma cruz com corrente de ouro. E para agradar ao parente
que lhe fizera o obséquio, saiu à rua portando-os consigo. À noite, ao
se preparar para dormir, apareceu- lhe o Anjo da Guarda dizendo:
“Lembra-te de que as únicas joias que devem adornar a esposa de um Rei
crucificado são os espinhos e a cruz”.4
A
jovem, que sempre sentira especial devoção pelos sofrimentos de Jesus,
tomou esta advertência com toda seriedade e, desde então, renunciou a
quanto poderia servir de pretexto à vaidade, passando a trajar uma
simples roupa negra.
Desde
a morte da mãe, conta a santa na sua biografia, ela nunca deixara de
oferecer algum pequeno sacrifício a Jesus. Era chegada, porém,a hora de
começar a sorver em grandes goles o cálice do sofrimento.
Em
1896, uma terrível necrose no pé, acompanhada por agudíssimas dores,
obrigou-a a submeter-se a uma cirurgia. Recusando qualquer anestesia,
Gemma se manteve imóvel durante a intervenção, enquanto os presentes
acompanhavam horrorizados o que mais parecia uma tortura do que um ato
terapêutico. Apenas alguns gemidos involuntários a traíram no momento
mais difícil da operação, a qual ela suportou sem tirar os olhos do
Crucifixo, pedindo ainda a Jesus perdão pela debilidade manifestada. No
ano seguinte, seu pai faleceu após perder toda a fortuna, deixando a
família em grande miséria.
Encontro com São Gabriel da Virgem Dolorosa
Em
1898, foi Gemma atingida por grave doença na espinha dorsal, ficando
prostrada na cama, com dificuldades para fazer o menor movimento.
Em
meio a tal moléstia, seu Anjo da Guarda não deixava de consolá-la, e o
Divino Mestre servia-se de suas dores para fazê-la progredir na virtude
da humildade. Adquiriu também uma particular devoção por São Gabriel da
Virgem Dolorosa, religioso passionista falecido trinta e seis anos
antes, cuja biografia lera avidamente durante a doença.
Certa
noite, após ter feito voto de virgindade e ter manifestado o propósito
de vestir o hábito religioso caso viesse a sarar, apareceu-lhe em sonho o
santo passionista dizendo: “Faze em boa hora o voto de ser religiosa,
mas não acrescentes mais nada”. E ao perguntar-lhe Gemma o porquê,
retirou o símbolo que levava prendido à batina, deu-o a beijar à enferma
e o colocou-o sobre ela dizendo: “Sorella mia! – Minha querida irmã!”.
Durante
todo esse tempo, seus parentes e conhecidos não deixavam de fazer
novenas e tríduos implorando sua cura; ela, porém, permanecia
indiferente, dócil aos desígnios divinos. Ao cabo de um ano, para
agravar a situação, os médicos lhe diagnosticaram um tumor na cabeça,
dando-a por desenganada. Então, uma das suas antigas mestras conseguiu
convencê-la a fazer uma novena a Santa Margarida Maria Alacoque. No
último dia dessa novena, poucas horas após receber a Sagrada Comunhão, a
jovem pôs-se de pé, totalmente sã. Era a primeira sexta-feira do mês de
março.
“Não cesses de sofrer por Ele nem um momento”
Na
Quinta-Feira Santa do ano seguinte, Gemma, ainda debilitada, praticava
no seu quarto a devoção da “Hora Santa em companhia do Senhor no Horto”,
escrita pela fundadora das Irmãs de Santa Zita, sentindo, enquanto o
fazia, uma profunda dor por suas faltas. Terminada a oração, apareceu
diante dela a figura de Jesus Crucificado, dizendo-Lhe: “Filha, estas
chagas foram abertas em Mim pelos teus pecados. Mas alegra-te, porque já
as fechaste com tua dor. Não me ofendas mais. Ama-me como Eu sempre te
amei”.5
Dias
depois, enquanto fazia as orações da tarde, Cristo Crucificado
tornou-se novamente visível a ela e lhe disse: “Olha, minha filha, e
aprende como se ama. Vês esta Cruz, estes espinhos e cravos, estas
carnes lívidas, estas contusões e chagas? Tudo é obra de amor, e de amor
infinito. Eis até que ponto Eu te amei. Queres amar-Me verdadeiramente?
Aprende então a sofrer: o sofrimento ensina a amar”.
Noutra
ocasião, enquanto pedia a Deus a graça de amar muito, ouviu uma voz
sobrenatural que lhe dizia: “Queres sempre amar a Jesus? Não cesses de
sofrer por Ele nem um momento. A Cruz é o trono dos verdadeiros amantes;
a Cruz é o patrimônio dos eleitos nesta vida”.
Aquelas
visões, ao mesmo tempo que intensificavam a dor pelos seus pecados,
traziam-lhe grande consolação e aumentavam nela o desejo de amar a Jesus
e padecer por Ele.
A graça dos Sagrados Estigmas
Na
véspera da festa do Sagrado Coração desse mesmo ano, Gemma perdeu os
sentidos e, ao acordar, encontrou-se em presença da Santíssima Virgem,
que lhe disse: “Meu Filho, Jesus, ama-te muito e quer conceder-te uma
grande graça; mostrar- te-ás digna dela?”. A santa não sabia o que
responder. Nossa Senhora continuou, dizendo: “Eu serei para ti uma mãe.
Saberás tu te mostrar verdadeira filha?”. E, a seguir, estendeu seu
manto e a cobriu com ele.
Nesse
instante, apareceu-lhe novamente Jesus. Com a simplicidade própria das
almas inocentes, assim narra Gemma o acontecido: “Suas chagas estavam
abertas, mas não jorravam sangue; delas saíam chamas ardentes. Em um
piscar de olhos essas chamas tocaram minhas mãos, meus pés e meu
coração”. Por mais algum tempo permaneceu ela sob o manto da Rainha dos
Céus. Maria a osculou na fronte e desapareceu, deixando a jovem
ajoelhada com fortes dores nas mãos, nos pés e no coração, de onde
escorria sangue: Santa Gemma Galgani havia recebido a graça dos Sagrados
Estigmas.
O
fenômeno repetia-se a cada semana. Na quinta-feira, as chagas se abriam
à noite, permanecendo até às três horas da tarde de sexta-feira. No
sábado, ou o mais tardar no domingo, delas só restavam umas marcas
esbranquiçadas.
Além
dos estigmas, cuja existência poucos conheciam, eram frequentes na vida
de Santa Gemma outras manifestações sobrenaturais, como suores de
sangue e êxtases incontáveis, que ocorriam a qualquer instante. Isso
tornou o relacionamento com as tias, com as quais vivia desde a morte do
pai, cada vez mais difícil.
Tirou-a
desse embaraço a piedosa senhora Cecília Giannini, a qual, admirada com
os prodígios da graça naquela alma, adotou-a como filha. Em sua nova
família, todos votavam-lhe grande veneração. Anotavam com precisão as
palavras proferidas nos frequentes arroubamentos e maravilhavam-se com
os estigmas sagrados e as feridas produzidas ora pelo látego da
flagelação, ora pelos espinhos da coroa.
Encontro com os Padres Passionistas
Foi
em junho desse mesmo ano de 1899, tão fundamental na existência da
Santa, que Gemma haveria de ter seu primeiro encontro com os padres
passionistas, prenunciado por São Gabriel da Virgem Dolorosa.
Nos
últimos dias desse mês, haviam começado na Igreja de São Martinho as
“Santas Missões”, pregadas por sacerdotes dessa ordem. No último dia
houve comunhão geral, da qual também participou Santa Gemma. Durante a
ação de graças, Jesus lhe perguntou: “Gemma, te agrada o hábito com que
está revestido esse sacerdote? Gostarias de te ver revestida dele?”.
“Sim,”
acrescentou o Senhor ao vê-la incapaz de dar uma resposta afirmativa,
“tu serás uma filha da minha Paixão, e uma filha predileta. Um destes
meus filhos será o teu pai. Vá e manifesta-lhe tudo o que acontece
contigo”.
Após
algumas vicissitudes, tão frequentes nas almas mais eleitas, Gemma
acabou por escrever, com autorização de Monsenhor Volpi, ao padre
Germano Di San Stanislao, religioso passionista, residente em Roma, cujo
nome e fisionomia o Senhor lhe havia indicado.
Dotado
de grande talento e virtude, tal sacerdote viajou a Lucca para
conhecê-la, e passou a ser um verdadeiro pai para a santa. Durante três
anos, conduziu-a com destreza nos caminhos da perfeição. Graças a essa
direção espiritual, feita sobretudo por meio de cartas, ficaram
documentados os singulares favores recebidos pela angelical jovem. São
missivas emocionantes, nas quais transparece toda a beleza de sua alma.
O
último Calvário da virgem de Lucca começou na Páscoa de 1902. Seu
corpo, prostrado na cama por terrível doença que a impossibilitava de
ingerir alimento, espelhava as penas interiores que padecia sua alma
privada de todas as consolações e alegrias sensíveis. “Não sabeis que
sou toda vossa? Jesus só!”, suspirava Gemma, em meio a um aparente
abandono.
Ela
havia participado sucessivamente de todos os tormentos do Homem-Deus:
suas angústias interiores, seu suor de sangue, a flagelação e suas
numerosas chagas, os maus tratos, por obra dos demônios, as profundas
feridas da coroa de espinhos, o deslocamento dos ossos e as chagas dos
cravos. Faltavam-lhe apenas, para imitar cabalmente o Redentor em sua
Paixão, a agonia e a morte em um mar de dores.
Foi
o que aconteceu, por fim, no Sábado Santo de 1903. Com apenas 25 anos
de idade, a seráfica virgem libertou-se definitivamente dos liames que a
prendiam à Terra e recebeu sua “recompensa demasiadamente grande” (Gn
15, 1), o próprio Deus por toda a eternidade.
* * * * * *
A
alma de Gemma entrou na glória enriquecida pelo único e real tesouro,
aquele que nunca acabará: a caridade. “Se todos soubessem como Jesus é
belo, como é amável, não procurariam senão o seu amor”.
Com
efeito, como o mundo seria outro se ouvisse o conselho da virgem de
Lucca e pudesse afirmar como ela: “Meu coração palpita continuamente em
uníssono com o Coração de Jesus. Viva Jesus! O Coração de Jesus e o meu
são uma mesma coisa.[…] Sim, eu sou feliz, Jesus, porque sinto meu
coração palpitar com o vosso, e porque Vos possuo”.
Fonte:
http://www.arautos.org/secoes/artigos/especiais/santa-gemma-galgani-um-so-coracao-e-uma-so-alma-143587